
*José Caldas da Costa
Em meio à comoção causada pelo assassinato brutal de dois jovens soldados na madrugada de domingo (16), em Cariacica, cresceram as críticas à gestão de segurança pelo Governo do Estado. E isso chegou com grande repercussão no ambiente da Feconseg – Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública, um organismo da sociedade civil, criado há anos para envolver a comunidade nas soluções para o setor.
Conversei com um oficial da Polícia Militar de reserva e ele fez questão de colocar os pontos nos “is” e disse, nos seus termos, que “o desfazimento da Polícia Militar do Espírito Santo teve início na primeira década deste século e agudizou-se de 2015 a 2018 pelo completo descaso e desmerecimento da corporação pela arrogância dos empoderados à época”.
Leia-se: a desmontagem do aparelho policial militar se deu nos governos de Paulo Hartung, que acabou por ver acontecer, em 2017, a maior greve da PM da nossa história brasileira. Importante registrar que mais tarde soube-se que foi um movimento de fora para dentro, mas que não encontraria tanto acolhimento não fossem as condições que enfrentava a corporação no Estado.
Naquela ocasião, o governador PH usou uma série de afirmações que foram checadas pela agência Lupa e reveladas numa entrevista de sua diretora, Cristina Tardáguila, à jornalista Pétria Chaves, da rádio CBN. Foi uma desconstrução, frase a frase, do argumento usado na ocasião pelo governador.
Da entrevista deduz-se que, naquele tempo, o pouco que fora feito pela PM do Espírito Santo ocorreu na gestão anterior, de Renato Casagrande (2011-2014). Isso foi revisitado em profunda pesquisa por esse oficial, não sem antes registrar seu “profundo pesar” pela morte dos soldados Ferrani e Celini, “que no labor não temeram à metralha e se mostraram, em defesa da sociedade, como bravos e fortes soldados da mais antiga e leal Instituição capixaba: a PMES.”
Na entrevista a Pétria Chaves, a diretora da Lupa analisou quatro frases usadas em 2017 por Paulo Hartung, em meio à crise com a Polícia Militar, que resultou em 221 homicídios no Espírito Santo no mês de fevereiro.
Primeira frase: “Os praças da PMES receberam mais de 38% de aumento desde 2010”.
A frase recebeu um carimbo de “VERDADEIRO, MAS… “ Ou seja, não é bem assim. De acordo com Cristina Tardáguila, é verdade que, de 2010 a 2017, os praças tiveram acréscimo de 38% nos salários, que saltaram de R$ 1.900,00 para R$ 2,7 mil para os soldados. Porém, ela salientou que o último aumento fora concedido em 2014, no primeiro governo de Renato Casagrande, bem antes da terceira posse de Paulo Hartung, ocorrida em janeiro de 2015. E mais: de acordo com o IBGE, a inflação de 2010 a 2017 foi de mais de 50%.
“Portanto, os policiais tiveram uma queda de mais de 12% em seu poder aquisitivo”, registrou, na época, Cristina, que procurou a Secretaria de Estado de Planejamento para checar se seus cálculos estavam certos e eles foram confirmados. A Seplan ressalvou, porém, que na gestão de PH (2015-2018) foi aplicada a terceira etapa da reestruturação da carreira militar.
“Ocorre que essa reestruturação foi decidida por uma lei de 2013, antes de Paulo Hartung”, voltou a registrar a diretora da Lupa. Ou seja, um benefício do primeiro governo de Casagrande.
Segunda frase: “O argumento de 7 anos sem aumento da PM não fica de pé”.
A frase do governador da época recebeu o carimbo de FALSO. Os sete anos sem aumento foi um dos argumentos mais utilizados pela PM do ES para a paralisação. “O que não fica de pé é a frase dele”, registrou Cristina Tardáguila, voltando a observar que, “se pegar o IPCA dos últimos sete anos no IBGE, a inflação foi de mais de 50%, uma perda gigantesca, sem aumento real”.
Terceira frase: “O salário da PMES é o décimo maior na escala nacional”
Mais uma frase, repetida com frequência pelo então governador para criticar a Polícia Militar, e pela Agência Lupa carimbada como FALSO.
“A administração disse que os dados vêm do PNAD de 2015. Fomos ao IBGE perguntar se o cálculo estava certo, e fomos informados que não existe um padrão de tenentes e coronéis, portanto, com repercussão sobre toda a tropa. O que fazem com PNAD é média de rendimento mensal de todas as categorias e, por conta disso, existe uma margem de erro estatística. Não existe um ranking e, para fazer algum tipo de ranking com PNAD, é indispensável conhecer e aplicar a margem de erro”, disse Cristina.
Quarta frase: “Estamos hoje com 2 mil homens entre a Força de Segurança , Exército, Marinha e Aeronáutica nos apoiando”.
Finalmente, uma frase usada na época da greve e carimbada com VERDADEIRO. “De fato, o presidente Michel Temer se sensibilizou e determinou o envio de 2 mil homens das forças federais para restabelecer a lei e a ordem no Espírito Santo”.
O resgate daquele momento crucial da segurança pública capixaba é fundamental para que não se façam injustiças. Em meio à dor do assassinato covarde de dois jovens soldados, com repercussão nacional, o próprio comandante da corporação, coronel Douglas Caus, disse que o sentimento “é de que eles (os bandidos) saiam de lá mortos”, mas, como registrou o coronel da reserva, “a PMES tem noção de que a Instituição não se moverá por discursos e emoções, mesmo que viva um momento de profundas e importares perdas. Ela é a protetora dos capixabas e se faz forte quando age rápido e em observância da Lei”.
Tem toda razão a tropa quando se revolta. Muita gente, que não tem nenhuma relação direta com os soldados mortos, seja por camaradagem de grupo ou por parentesco, chorou e ainda chora diante do quadro e das manifestações de seus colegas, aqui ou em outros Estados. O momento trágico, entretanto, não pode e não deve ser usado para narrativas baratas em tempo de campanha eleitoral.
Segurança pública é algo muito complexo, que requer um passo de cada vez. Esse artigo está nascendo no momento em que se tem notícia de um gesto do Executivo em direção à corporação policial militar no sentido de avançar em atenção a demandas de seus integrantes, com medidas relacionadas a aposentadorias e promoções.
Sempre haverá muito a se fazer, mas gestos e ações têm sido feitos pelo governador Renato Casagrande, neste e no mandato anterior. Se não conseguiu atender a tudo, uma coisa a tropa não pode considerar: que o atual governante seja um desafeto da força policial, importante no estado democrático de direito. Desejável seria não se necessitar de polícia, mas isso é uma utopia que, nessa altura da vida em sociedade, esbarra na ingenuidade.
Antes disso, somente se viu algo transformador na polícia capixaba no período pós-redemocratização, na fase do conturbado governo de José Ignácio Ferreira (1999-2002), quando se teve, pela primeira vez, um planejamento de segurança no Estado. Planejamento que o atual governo busca através do chamado Estado Presente, que, se não é perfeito, pelo menos tenta alguma coisa e tem colhido alguns bons resultados. Nossa segurança hoje parece, institucionalmente, mais inteligente. É o que se consegue quando se tira a figura do xerife para dar vez a programas de Estado.
*José Caldas da Costa é jornalista, geógrafo e diretor do portal Tribuna Norte-Leste
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