
José Caldas da Costa*
No dia 13 de dezembro de 1968, o Brasil entrou na fase mais escura de sua longa noite democrática de 21 anos. Naquele dia era editado o Ato Institucional nº 5, o tal AI-5 que uma meia dúzia de sociopatas defende enrolada na ultrajada Bandeira Nacional.
Dentre os cassados por aquele Ato da ditadura militar estava o capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, mais conhecido como Sérgio Macaco, militar da Força Aérea Brasileira, integrante do esquadrão paraquedista de resgate Para-Sar (“para”, de paraquedista; “sar” de “search and rescue”, busca e salvamento)
Treinado para salvar vidas e, espiritualmente, comprometido com isso, Sérgio Macaco negou-se (e, pelo contrário, denunciou o seu superior) a aceitar o plano e a cumprir uma ordem do brigadeiro João Paulo Moreira Burnier para que os homens do esquadrão de Miranda explodissem o gasômetro, localizado em São Cristóvão, e, na esteira disso, houvesse uma pequena explosão em cada casa que tivesse um terminal de gás encanado na cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com as estimativas, morreriam cerca de 100 mil pessoas, caso o plano fosse executado, e a culpa seria colocada sobre “os comunistas”. Sérgio Macaco tinha 37 anos à época e já contava 6 mil horas de voo e 900 saltos em missões humanitárias, de resgate e socorro em geral, além de quatro medalhas por bravura.
Esse plano de uma mente doentia, que na época do ditador Emílio Garrastazu Medice também planejou a invasão do Uruguai para anexá-lo ao Brasil, foi confirmado não apenas por Sérgio Macaco, que fez vasto relatório na época sobre o assunto. Outro brigadeiro, Eduardo Gomes, remanescente da guerra paulista e da revolução de 1930, também a confirmou e, numa carta ao presidente Ernesto Geisel, em 20 de maio de 1974, assim falou do capitão Sérgio Miranda:
“Foi a admirável ação de um simples capitão, verdadeiramente inspirado por Deus, que evitou outros rumos para a história do Brasil. O capitão Sérgio tem o mérito de haver-se oposto ao plano diabólico e hediondo do brigadeiro João Paulo Penido Burnier, que, em síntese, se consumaria através da execução de atos de terrorismo”.
Em 1992, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que o capitão Sérgio Miranda devia ser promovido a brigadeiro, posto que teria alcançado se tivesse permanecido na Aeronáutica, mas morreu sem ver a sentença cumprida, já que o então presidente Itamar Franco protelou sua decisão até poucos dias após Sérgio morrer de câncer de estômago, em 1994.
Três anos depois, sua família foi indenizada pelo governo com o valor relativo às vantagens e soldos que ele deixou de receber entre os anos de 1969 e 1994. Sérgio, conhecido pelos indígenas como “nambiguá caraíba” (homem branco amigo), era admirado pelos irmãos Villas-Boas, pelo médico Noel Nutels e pelo antropólogo Darcy Ribeiro.
A história de um verdadeiro herói nacional, o capitão Sérgio Miranda, deveria servir de inspiração às novas gerações, porque o espírito de gente como o brigadeiro Burnier ainda habita entre nós, mais de meio século depois. O mundo mudou, mas o Brasil andou para trás nos últimos anos, com uma ideologia maniqueísta dos tempos da guerra fria. Muros no mundo somente a turística Muralha da China e o muro de outro delirante na fronteira do México com os Estados Unidos.
O Brasil está à beira de um ataque de nervos, quando deveria estar celebrando o direito conquistado com sangue, suor e lágrimas por gerações que enfrentaram o arbítrio, o direito de escolher, por voto livre e direto (e em modernas urnas eletrônicas que causam inveja ao mundo), seu Presidente da República.
O último debate da campanha presidencial, na noite de quinta-feira, promovido pela TV Globo, mostrou bem isso. O tal “Padre” Kelmon, escalado pelo bolsonarismo para esbofetear Lula ao vivo com xingamentos e provocações, tem potencial explosivo como o gasômetro. É bom não brincar com fogo. Amanhã ou depois, ele pode “explodir” e a culpa vai ser “dos comunistas”. Que os federais a acompanha-lo fiquem bem atentos, há doido para tudo nesse mundo e essa gente não tem limites.
É assim que vamos às urnas neste final de semana. Sob tensão. Sem saber se haverá amanhã. Nunca antes na história deste País, tantos observadores vieram acompanhar uma eleição nossa. E, pelo visto, não teremos paz nos próximos quatro anos ou mais, na maior democracia do Hemisfério Sul, tá ok?
*José Caldas da Costa é jornalista há cinco décadas, escritor e geógrafo, e sócio diretor do portal TNL
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