
O tenente coronel Scharlyston Martins de Paiva, especialista em investigação de incêndios e comandante do 1º Batalhão do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo, explica como é feito o trabalho de coleta e análise de dados em situação como a do trágico desabamento de um prédio de três andares no bairro Cristóvão Colombo, em Vila Velha, que provocou a morte de três pessoas – mãe, filha adolescente e o avô da menina – e possibilitou o resgate de apenas uma sobrevivente, a irmã da dona da casa.
Paiva é presidente e fundador da Associação Brasileira de Investigadores de Incêndio (Abinvi) e também preside o Comitê Nacional de Perícia de Incêndios, tendo pelo menos quatro das mais importantes certificações internacionais. O oficial havia acabado de retornar dos Estados Unidos, onde participou como principal palestrante de um evento internacional sobre o tema, quando foi confrontado com a trágica ocorrência de Vila Velha, que causou comoção no Estado.
“A investigação de incêndio com explosão, como aconteceu aqui, é uma atividade com fundamentos científicos. Todo conhecimento sobre esse procedimento a corporação vem buscando ao longo dos anos. Desde 2012 temos um trabalho muito intenso com os Estados Unidos. Trouxemos para cá essa metodologia e, toda essa tarefa aqui em campo, é com base nessa metodologia científica.
A gente parte da análise de dados, coleta todas as informações possíveis e isso não é só nos escombros. A gente acaba checando informações com vizinhos, testemunhas, pessoas que presenciaram o fato, que conheciam a família e o ambiente. Os danos causados nas edificações vizinhas e na própria edificação ruída também são avaliados e, no campo propriamente dito, procuramos pela coleta de todos os elementos e materiais possíveis que possam ter contribuído para o cenário do incêndio ou, no caso, da explosão.
É um trabalho muito hostil. O próprio ambiente é desastroso. É um trabalho praticamente arqueológico, de revirar peça por peça, quadrante por quadrante, remontar essa cena com as peças que julgamos importantes, em outro espaço, para que possamos analisar equipamento por equipamento. Se necessário for, levamos para análise laboratorial e, quando possível, usamos ferramenta computacional para a reconstituição da cena em ambiente virtual.
É prematuro fazer qualquer afirmação ou julgamento. Seguindo o método, trabalhamos com as várias hipóteses possíveis, mas, para testar essas hipóteses, precisamos de uma boa coleta de dados e análise desses dados. Como inicialmente o acidente está ligado à explosão, tudo que tem relação com o gás liquefeito de petróleo tem muito valor para análise. O click da botija, qualquer outro elemento que possa ter contribuído para expansão do gás no ambiente e também equipamentos e materiais que possam ter contribuído para a deflagração disso, para aquele click inicial onde houve a explosão.
Materiais como parte de fiação, condução, alguns materiais que o senhor (Eduardo) que morava aqui utilizava para fazer trabalhos laborais com computadores, restos de solda, multímetro. Tudo é recolhido e avaliado para testarmos as hipóteses e tentarmos idenficar: primeiro, qual foi a substância que vazou, se é que houve vazamento, e qual foi o possível material que deu início a essa explosão.
Nenhuma hipótese foi descartada. Estamos ainda na fase de coleta de dados. É um procedimento protocolar. A gente coleta esses dados, analisa esses dados, levanta as hipóteses possíveis, e diante dessas hipóteses possíveis começamos a testá-las. E partimos do descarte para a afirmação, passo a passo.
Levantar hipóteses agora é prematuro. A conduta do método científico é não se deixar conduzir por vieses. Qualquer presunção nesse momento é prematura. Tem que ter um prazo para trabalhar isso com calma, essa avaliação tem que ser meticulosa, é complexa, porque qualquer pessoa pode avaliar, o ambiente está bem destruído, os elementos muito entrelaçados. É um trabalho arqueológico: retira o material, limpa um pouco, avalia, se o material é interessante coleta, separa, analisa, verifica se há uma hipótese possível, vamos testá-la. Esse trabalho vai perdurar até que todos os cômodos sejam retirados, e não é um trabalho para agora.
O vazamento de gás é uma possibilidade, mas não podemos nos deixar levar meramente por isso, porque acaba atrapalhando nossa cognição para perceber outras hipóteses. O vazamento é admitido porque as próprias imagens de câmaras mostram uma explosão com expansão muito grande, no momento anterior ao desabamento da estrutura. Por isso nesse momento estamos trabalhando com essa hipótese, mas é claro que ela pode ser descartada futuramente, mas para ser descartada as provas têm que ser coletadas, avaliadas e testadas.
Trabalhamos com dois tipos de explosões: a detonação, que é focada em explosivos, e ela deixa assentamentos, deixa crateras, e são substâncias que, em princípio, não encontramos aqui; e tem a deflagração, que normalmente é uma explosão que é feita com expansão de gazes e partículas sólidas, como poeiras, grãos. Então, são esses dois tipos de explosões. Existem outras, mas fundamentalmente são essas que podem ter relação com essa ocorrência aqui. Como da natureza da detonação, por enquanto, não encontramos nada, mas encontramos elementos que podem ser levadas a entendermos aquilo como um tipo de deflagração, estamos trabalhando com essa possibilidade, coletando dados que podem ter correlação com essa explosão.
Se o senhor Eduardo trabalhava com algum tipo de oficina, vamos precisar buscar essas informações com familiares e com vizinhos. Há uma sobrevivente e temos que esperar um pouco para conversar com ela, para ver se ela pode colaborar com alguma informação que seja útil para essa descoberta. Mas é claro que depoimentos de vizinhos, pessoas que conviviam aqui, amigos, ou outros familiares são informações ricas para que possamos produzir bem nossa investigação.
O ponto básico é que não dá, nesse momento, para se provar nada. Uma das hipóteses é o vazamento de gás. Agora, qual o gás? Tinha carro aqui com gás natural? Não sabemos, ainda vamos averiguar. Se tinha botija de gás aqui, já coletamos. Tudo isso será avaliado e checado para lá na frente nos dar o resultado.
É importante entender que a investigação do Corpo de Bombeiros funciona como o CENIPA, que trabalha para evitar acidentes aéreos. O Corpo de Bombeiros trabalha com informações para gerar mais prevenção para as pessoas por meio de campanhas educativas. Não vou nem entrar na questão estrutural, que não é nossa atribuição, mas é importantíssimo quando avaliarmos a questão do gás em nossas casas. Quer tenhamos o gás encanado ou em botija, é preciso checar a validade da mangueira, a validade do click de pressão, a instalação tem que ser feita por profissional habilitado. Ao sair de casa, é importante desligarmos o gás. Ao retornar, se sentir cheiro de gás, não utilizar celulares, equipamentos eletrônicos, interruptores e, concomitantemente, abrir todo o espaço, todas as janelas e portas para que o ambiente possa ser arejado e esse gás possa ser diluído no ar e se evite uma tragédia.
E por que somente esse prédio foi atingido e não houve nenhum dano nos prédios com parede colada a esse prédio? Numa explosão, a expansão do gás vai procurar menor obstáculo possível. Como temos paredes de concreto para a direita e para a direita, e para a frente portas, janelas e portões, é bem provável que ela tenha encontrado menos resistência nessa parte da frente, então é para lá que ela se expande. Para trás tem obstáculos e para a frente tem menos. Então, ela procura onde tem menos obstáculos e se expande. Então, por isso é que, provavelmente, tenhamos essa destruição para a frente e não para os lados.” (Da Redação)
Comente este post