*Marcelo Rossoni
Há mais de dois mil anos, o Império Romano estendia seus domínios desde as brumas geladas da Britânia até as areias escaldantes do deserto do Saara.
A Pax Romana (que foi um período de relativa paz e prosperidade no Império Romano que durou aproximadamente 200 anos, de 27 a.C. a 180 d.C.), tão celebrada, era sustentada por legiões disciplinadas, estradas intermináveis e uma máquina administrativa que fazia inveja a qualquer outro povo da Antiguidade.
Roma se acreditava eterna. E, por um tempo, foi. Mas o tempo, esse paciente escultor de ruínas, mostrou que até os deuses têm prazo de validade.
Hoje, quem ocupa o trono simbólico daquele poder global é o “imperador do Norte” — o presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump.
A semelhança, em certos aspectos, é quase cômica. Assim como Roma, os EUA projetam sua força militar em quase todos os cantos do planeta. Assim como os romanos, mantêm clientelas (agora chamadas de aliados estratégicos), garantem rotas comerciais (a custo de drones e tratados) e vendem ao mundo um ideal de civilização — ainda que, em tempos recentes, esse ideal venha perdendo um pouco de brilho.
Com Donald Trump de volta à presidência, o “império norte-americano” vive uma espécie de barulhenta senilidade. Não que esteja sem poder — muito pelo contrário. Ainda domina o dólar, comanda o entretenimento global, e define os humores de boa parte dos mercados. Mas há algo inquietante no ar, como se o colosso estivesse consciente de que a maré da história já não corre tão facilmente a seu favor.
Donald Trump governa como se fosse o próprio César em campanha. Mas não um César clássico, com toga e ponderação, e sim uma versão televisiva, meio gladiador, meio animador de auditório.
E como os imperadores que vieram depois da glória de Roma — aqueles que negociavam mais com generais do que com senadores — ele parece mais interessado em manter a autoridade do que em garantir o equilíbrio.
A comparação com os impérios do passado se torna inevitável. O Império Otomano, que durante séculos governou partes da Europa, do Oriente Médio e do Norte da África, também se acreditou invencível. Seus sultões impunham respeito, sua capital — Istambul — era um centro cultural e comercial sem igual. Mas o tempo, novamente, se impôs.
O império, que um dia foi vasto como um sonho, encolheu até desaparecer nas bordas da Primeira Guerra Mundial, deixando apenas lembranças e fronteiras mal desenhadas.
E o que dizer de Alexandre, o Grande? O jovem rei macedônio, com menos de 30 anos, conquistou todo o território entre a Grécia e o vale do Indo.
Criou, em tempo recorde, um dos maiores impérios da história antiga. Mas seu domínio durou menos que um mandato presidencial moderno. Morreu jovem, sem herdeiros claros, e seu legado virou disputa entre generais. O mundo que ele tentou unificar, fragmentou-se quase imediatamente.
A lição comum entre esses impérios parece clara: não importa o tamanho do poder — todos ruem. Seja pela decadência interna, pelo colapso econômico, por revoltas populares ou por perderem o sentido de sua própria missão. E cada um deles, em seus últimos dias, acreditava estar longe do fim.
Afinal, quem ousaria prever o colapso de Roma no auge de sua glória? Quem apostaria na queda dos otomanos quando seus exércitos marcharam sobre os Bálcãs? E quem imaginaria que o conquistador de Alexandria pereceria antes de consolidar sua capital?
É neste espelho que o “império americano” deve se olhar. Donald Trump, com sua retórica de força e isolamento, não é exatamente um arquiteto de longos ciclos. Prefere a tática do choque: impõe tarifas a aliados, reduz compromissos multilaterais, persegue inimigos externos com fervor de inquisidor; apoia Israel com uma devoção quase messiânica, enquanto ignora o drama humano dos palestinos em Gaza; castiga a Rússia por conveniência, mas jamais abandona os gestos ambíguos e negocia com a China como se jogasse pôquer — blefando mais do que segurando cartas boas.
O que ele parece ignorar é que os impérios não se mantêm apenas por força militar ou supremacia comercial. Eles duram enquanto conseguem oferecer uma visão do mundo que faça sentido para os outros.
Roma oferecia cidadania. O Islã Otomano, ordem e tolerância relativa. Alexandre prometia fusão cultural. E os EUA, por muito tempo, venderam ao planeta uma promessa de liberdade, democracia e prosperidade — valores que, embora imperfeitos, ainda tinham apelo.
Hoje, com o alaranjado Donald Trump à frente, essa narrativa está em risco. O império que um dia ergueu a ONU, apoiou o plano Marshall e liderou o pós-guerra com valores universais, agora parece mais inclinado a construir muros do que pontes. E um império que constrói muros já não se expande — começa a se proteger do mundo que ajudou a moldar.
É cedo para prever o fim dos Estados Unidos como superpotência. Mas talvez estejamos, sim, diante do início de um novo capítulo: o de uma potência que começa a perder sua aura, sua autoridade moral, e talvez, mais perigosamente, seu propósito.
Nenhum império ruiu de um dia para o outro. Eles escorregam, enfraquecem, e então caem — geralmente olhando para o lado errado.
Donald Trump, com sua política do confronto e da simplificação, pode não ser o arquiteto do fim. Mas talvez seja o prenúncio do crepúsculo. O clarim que soa alto, mas que já não assusta como antes. O imperador que, embora revestido de poder, pode estar caminhando em direção à história — mas como personagem de uma sátira, e não de uma epopeia.
*Marcelo Rossoni é jornalista
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