*Wagner Carmo
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 2.159/2024, intitulado Lei Geral do Licenciamento Ambiental do Brasil. Sob a pecha da desburocratização do procedimento administrativo, os legisladores pretendem alterar as bases normativas do licenciamento ambiental para atender interesses que ultrapassam a ideia de celeridade, agilidade e simplicidade para o procedimento.
Há tempos, parte da sociedade convive com a dualidade da preservação do meio ambienta contra o desenvolvimento econômico, apostando, de um lado, que toda intervenção no ambiente natural é prejudicial e, de outro lado, que o desenvolvimento econômico pode ser sustentável, gerando emprego, renda e serviços públicos de qualidade.
Acontece que a polarização não deveria existir. Precisamos de uma visão sistêmica, cuja régua da regulação normativa seja a ética. A ética explora as responsabilidades dos seres humanos em relação ao ambiente natural, convidando-os a repensar as ações e os valores, reconhecendo que as escolhas geram impactos no mundo e comprometem a geração futura.
Por isso, a participação popular e o processo de licenciamento ambiental são essenciais. É por meio do licenciamento ambiental que a sociedade decide se quer ou não a implementação de um projeto econômico.
O licenciamento ambiental, compreendido como um procedimento administrativo, foi criado para analisar as atividades humanas e compreender os possíveis impactos de uma intervenção no ambiente natural. Mas, o licenciamento ambiental, também, é a referência técnica para que o Estado e o Empreendedor possam dialogar com a população e as comunidades tradicionais.
É da população, especialmente da população que vive no entorno de um empreendimento, o direito de opinar sobre determinada intervenção no ambiente natural ou sobre a instalação de determinado empreendimento, ajudando, inclusive, na definição dos meios, mecanismos, infraestrutura e recursos financeiros necessários para mitigar os impactos que serão internalizados por toda a coletividade.
A par disso, o Projeto de Lei nº. 2.159/2024 flexibiliza as regras do licenciamento ambiental, aumentando os riscos de eventos como os de Brumadinho e Mariana. Sem discutir mérito, a probabilidade de ocorrência dos citados eventos estaria próxima a zero, caso o licenciamento ambiental tivesse sido realizado com o rigor necessário.
O licenciamento ambiental não trata apenas da preservação de recursos naturais, trata da proteção da vida e, talvez, aqui esteja o diálogo ético mais importante e, também, o mais ignorado diante da volúpia do desenvolvimento econômico. De forma geral, as pessoas não acreditam, mas o licenciamento ambiental é um importante mecanismo para evitar que tenhamos que somar o número de vidas perdidas em tragédias ambientais.
O desenvolvimento econômico deveria ser sustentável, ou seja, deveria equilibrar todos os bens e valores que são importantes à vida em sociedade, sem que um valor seja privilegiado em detrimento dos demais. O problema, entretanto, é que o desenvolvimento das potencialidades econômicas sempre é elegível como o bem e o valor de maior ou quase única importância, relegando os impactos no ambiente ao plano secundário e, como regra, ignorando os perigos à população em geral.
Aqui reside o problema do Projeto de Lei nº. 2.159/2024, pois, a um só tempo, fragiliza o licenciamento ambiental, atinge populações tradicionais, reduz a participação popular, promove anistia através da licença corretiva e acaba com a responsabilidade dos bancos.
Sobre a fragilização do licenciamento, chama atenção, especificamente, a licença por adesão e compromisso (ou auto licenciamento) e a dispensa de licenciamento para determinadas atividades econômicas.
O auto licenciamento pressupõe a permissão para instalação e funcionamento de empreendimentos sem análise prévia do órgão ambiental, ou seja, a autorização será concedida a partir de declarações firmadas, exclusivamente, pelo empreendedor.
A proposta guarda certa relevância e não pode ser descartada sem debate, contudo, é imprudente colocar o modelo como regra geral, não fixando limites e abrangências.
O sistema de auto licenciamento, conforme previsto no Projeto de Lei, se contrapõe ao disposto no art. 225 da Constituição Federal, que classifica o meio ambiente como um bem de interesse público – de uso comum do povo. É um risco à sociedade, o Estado “deixar na mão” do setor privado, que por sua natureza e objetivo busca otimizar resultados para alcançar a maior margem de lucro, a guarda e a conservação do interesse público.
O segundo exemplo é a dispensa de licenciamento para determinadas atividades econômicas, como o sistema de tratamento de esgoto, as atividades ligadas ao setor da agricultura e da mineração, dentre outras atividades. A dispensa do licenciamento, como detalhado acima, pode comprometer o direito à vida, pois, sem a análise técnica, as chances de desastres ambientais, de prejuízos à proteção ambiental e de deterioração do bem-estar social da população aumentam.
Até aqui, com o Projeto de Lei n.º 2.159/2024, o Congresso Nacional parece concordar com a premissa de que o desenvolvimento econômico é um valor em si, suficiente para garantir que o bem-estar social, a qualidade de vida e os bens naturais não serão comprometidos.
A questão, entretanto, é que o Congresso Nacional desconsidera que, na prática, o modelo de desenvolvimento econômico estabelecido a partir da revolução industrial, até os dias atuais, vem comprometendo as condições de vida no planeta Terra.
*Wagner Carmo é advogado, professor e escritor. Mestre em Direito Ambiental.
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