Um dos festejos juninos mais curiosos e antigos do Espírito Santo completa meio século nesta terça-feira (24), no distrito de Prata dos Baianos, em Ecoporanga, no Noroeste capixaba. A tradicional “Roubada da Bandeira” vai celebrar o dia de São João e também os 108 anos de vida do Mestre João Miguel, figura central da festa.
O evento mistura religiosidade, cultura popular, música, dança e um enredo inusitado, que surgiu quando João Miguel, aos 18 anos, iniciou a reza do terço na comunidade, atraindo moradores. Anos depois, ganhou de seus filhos, Júlia Quintino e José Quintino, uma bandeira dedicada a São João, que passou a ser hasteada todos os anos.
Foi então que um fato inesperado deu origem à tradição: alguém roubou a bandeira. No ano seguinte, ela foi devolvida no dia 24 de junho. O episódio se repetiu e, com o tempo, passou a fazer parte do calendário cultural local. Hoje, o roubo simbólico marca o início de uma série de celebrações que movimentam o distrito.
A bisneta do mestre, Milene Cristina Quintino, explica que a bandeira é hasteada até o fim da noite e, durante a madrugada, é levada por alguém que mantém a identidade em segredo até o mesmo dia do ano seguinte. “No dia 24, quem roubou oferece um almoço comunitário em sua casa e revela ser o autor do roubo”, conta.
A devolução acontece no fim do dia, em uma procissão com orações, cânticos e danças folclóricas — entre elas, a dança do nove e o vilão — até a residência de João Miguel. Ao meio-dia, além do almoço na casa do “ladrão da bandeira”, também há refeição comunitária na casa do mestre.
A programação começa cedo, às 6h, com café da manhã. Às 15h, acontece um culto em ação de graças pelos 108 anos de João Miguel. Em seguida, moradores preparam a chegada da bandeira com enfeites, fogueira e lanche. Um dos momentos mais esperados é o julgamento popular, onde crianças e jovens se revezam como policiais, juiz e delegado para julgar simbolicamente o responsável pelo “crime”. Todos os anos, o acusado é absolvido — para que a tradição continue.
Mestre João Miguel, viúvo de quatro casamentos, tem sete filhos, 22 netos, 33 bisnetos e três trinetos. Com lucidez e fé, ele deseja ver a festa resistir ao tempo. “Começamos o festejo e hoje fica a tradição para levarmos para frente essa alegria, essa fé”, afirmou.
A “Roubada da Bandeira” inspirou outras celebrações em Prata dos Baianos, como as dedicadas a Santo Antônio e São Pedro, que chegaram a acontecer no passado, mas acabaram desaparecendo. No dia 13 de junho, Santo Antônio dividia homenagens com os Mestres Luzia e João Dantas, também aniversariantes. Já no dia 29, era a vez do padroeiro dos pescadores e do Mestre José de Matos serem lembrados.
A festa em honra a São João e ao Mestre João Miguel, no entanto, segue firme, resistindo ao tempo com fé, alegria e memória. (Da Redação com Seculo Diário)
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