A China, que avança pelo mundo e sonha com um corredor bioceânico na América do Sul para reduzir o tempo e os custos do intercâmbio comercial com a costa Atlântica, ficou famosa nos últimos anos não apenas por seus produtos que invadem prateleiras de varejo do Ocidente, mas também por suas astronômicas obras de engenharia.

Um dos melhores exemplos é a Barragem das Três Gargantas, a maior hidrelétrica do mundo, construída no rio Yangtzé entre 1994 e 2009. A obra foi feita para evitar inundações devastadoras, produzir energia hidrelétrica e melhorar a navegação.
A barragem tem 181 metros de altura e 2,33 km de largura através do rio Chang Jiang. Seu reservatório pode reter 42 bilhões de toneladas de água e o nível pode chegar a até 90 metros.
Outra obra assombrosa da engenharia chinesa é a maior ponte marítima do mundo, que liga Hong Kong e Macau a Zhuhai, na província de Cantão, inaugurada com dois anos de atraso no dia 23 de outubro de 2018 pelo presidente chinês, Xi Jinping.
A obra tem 55 km de extensão e engloba trechos de estrada, três pontes, ilhas artificiais e um túnel subaquático. Sua extensão é quatro vezes a da maior ponte marítima do hemisfério sul, a Rio-Niteroi, que tem 14km de extensão. (www.tribunanorteleste.com.br oferece essa análise, sintonizada com os grandes temas do momento)

O GRANDE DESAFIO
A China fez uma aposta de US$ 1,3 bilhão de que um novo porto no Peru aumentará seu acesso à fartura agrícola da América do Sul, registra o Valor Econômico, ressaltando que lucrar com o investimento poderá ser mais difícil do que o esperado.
O presidente da China, Xi Jinping, e a presidente peruana, Dina Boluarte, inauguraram oficialmente o porto de Chancay durante uma cerimônia no palácio presidencial do Peru em Lima uma semana antes da reunião do G20 no Rio de Janeiro.
A iniciativa simbolizas as ambições de Pequim de fortalecer o comércio com a América do Sul enquanto o mundo se prepara para medidas comerciais restritivas dos EUA sob o comando de Donald Trump.
Que ninguém duvide da capacidade chinesa de superar desafios físicos com sua engenharia e com o dinheiro de sua expansão econômica, mas o que eles farão para superar o gigantismo da Cordilheira dos Andes é igual que não se pode imaginar.
Para além disso, ainda têm pela frente outro gigante, a Floresta Amazônica. Parece que o melhor caminho para ligar o porto do Peru à zona produtora de grãos brasileira, que é o objetivo da China, é pelo Acre, mas o desafio continua.
Imaginando que os chineses encontrem uma solução de engenharia para passar por cima da Floresta Amazônica, sem afetar diretamente o ecossistema da maior floresta tropical do mundo, mas o que farão para transpor a Cordilheira dos Andes?
Esse gigante tem 8 mil quilômetros de extensão, com larguras que vão de 200km a 700km. Na região do Peru, a largura é, aproximadamente, de 500km. Usando a imaginação pode-se pensar num megatunel rodoferroviário na base da cordilheira. A distância é, aproximadamente, de Vitória ao Rio de Janeiro.
O PORTO DO PERU
O porto de Chancay, a cerca de 70 quilômetros ao norte de Lima, é controlado majoritariamente e operado pela Cosco Shipping da China. Embora a instalação prometa reduzir o tempo de viagem de cargas entre a China e a América do Sul, obstáculos significativos ameaçam diminuir seu sucesso – especialmente quando se trata de obter mercadorias do Brasil.
Simplificando, transportar commodities agrícolas das principais regiões produtoras do Brasil para a costa oeste do Peru exige atravessar a Amazônia e cruzar os Andes. No entanto, há poucas estradas boas e nenhuma ligação ferroviária entre as duas regiões.
“É geograficamente complicado”, diz Marco Germanò, um pesquisador da Universidade de Nova York que monitora os investimentos chineses na região, registra reportagem do Valor Econômico.
O porto do Chancay poderá reacender um antigo sonho de integrar as costas do Atlântico e do Pacífico na América do Sul, mas ele não vê um plano eficaz para tornar isso realidade.
Mesmo a conexão entre Chancay e algumas áreas produtoras de café e cacau no centro do Peru não é totalmente eficiente, segundo Rafael Zacnich, gerente de estudos econômicos do grupo exportador ComexPerú. Ele espera que o novo porto atraia mais investidores que busquem melhorar a infraestrutura.
GUERRA COMERCIAL
O dilema do porto de Chancay surge num momento em que a China enfrenta novas ameaças de uma guerra comercial com os EUA. A nação asiática se viu motivada a buscar novas fontes de abastecimento de produtos como soja e milho, e a potência agrícola Brasil é a chave. No primeiro mandato de Trump, Pequim aumentou as compras de soja do Brasil à medida que as compras dos EUA foram diminuindo.
A América do Sul está crescendo. Eles estão melhorando o rendimento, estão plantando em áreas maiores e estão fazendo coisas que precisam fazer como país, o que coloca esses volumes no cenário global, e isso é absolutamente um problema’, diz Matt Carstens, executivo-chefe da Landus, a maior cooperativa agrícola da Iowa. ““Esse porto terá um efeito adicional, não só sobre o que poderá acontecer com a América do Sul em relação à China, mas também sobre outras partes do mundo.”
Ainda assim, não está claro como os governos sul-americanos enfrentarão os desafios geográficos e da infraestrutura de transporte precária. “Temos que construir”, disse o ministro das Finanças do Peru, Jose Arista, em uma entrevista. “E construir exige duas coisas: descobrir a viabilidade econômica e descobrir se há vontade política para investir os recursos necessários”.
O Peru é uma economia pequena. Embora as exportações de minério de cobre e outros minerais possam ir para a China por Chancay, a integração com outros países sul-americanos é fundamental para tornar essa rota de transporte mais relevante.
“A ideia é que o Peru se torne o centro exportador para a Ásia”, diz Alfredo Thorne, um ex-ministro das Finanças que comanda a firma de consultoria de investimentos Thorne & Associates em Lima. “Temos muito pouco comércio com i Brasil, mas essa poderia ser uma oportunidade para aumentarmos o nosso comércio.”

RODOVIA LIMITADA
A rodovia existente entre a costa do Peru e a mais destacada região agrícola do Brasil, no estado de Mato Grosso, exige que os caminhões cruzem os Andes. Isso pode ser um problema, uma vez que os caminhões maiores que normalmente transportam soja e milho não conseguem trafegar pela estrada, o que significa que o transporte precisa ser feito em veículos menores.
“É um custo extremamente alto”, diz Edeon Vaz, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, que representa produtores de soja e milho do Mato Grosso.
Grupos agrícolas do pequeno estado do Acre, que faz fronteira com o Peru, veem uma oportunidade no porto de Chancay. A produção de carne suína e soja vem crescendo na região e o embarque pelo Peru provavelmente acontecerá no futuro, segundo Assuero Doca Veronez que chefia a Federação de Agricultura e Pecuária do Acre. “Mas a infraestrutura logística precisa ser montada com mais qualidade”, diz ele.
O grupo do agronegócio e as autoridades locais querem uma nova rodovia ligando a cidade brasileira de Cruzeiro do Sul à cidade peruana de Pucallpa. No entanto, uma tentativa de construir essa rodovia foi interrompida no ano passado por um tribunal federal devido a preocupações com os possíveis danos a áreas ambientais protegidas e comunidades indígenas.
Embora o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva queira melhorar as estradas próximas da fronteira peruana nos próximos anos, a construção de uma rota polêmica no Acre não está prevista no plano atual do governo.
O tamanho do porto de Chancay representa um grande passo para a América do Sul, uma região que há muito tempo sofre com atrasos nas remessas que muitas vezes tornam os produtos menos competitivos nos mercados internacionais.
Para aproveitar tais benefícios, porém, as nações sul-americanas também precisam ampliar os acordos de transporte existentes para permitir que os caminhões atravessem as fronteiras, segundo diz Wagner Cardoso, o superintendente de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria do Brasil.
CORREDOR CENTRO-LESTE
Acessar a produção de grãos brasileira é uma das prioridades dos chineses para suprir sua enorme população. E essa produção, que se concentra no Centro-Oeste, se expande pela extensão Continental do Brasil.
O estabelecimento de um corredor ligando o Atlântico ao Pacífico é um antigo desejo desde o Império, no século XIX, quando o baiano André Rebouças foi autorizado por Dom Pedro II a cosntruir a ferrovia Antonina-Curitiba.
De acordo com a “lenda” que acompanha André Rebouças, seu desejo era ligar o Porto de Paranaguá (PR) a Assumção, capital paraguaia. As duas cidades estão no mesmo paralelo no Hemisfério Sul.
Com a Proclamação da República, em 1889, o abolicionista André Rebouças autoexila-se junto com Dom Pedro II. Com a morte do imperador, André vai para Funchal, na África, onde morre.
Em 2008, o projeto de uma Ferrovia Transoceânica foi relançado pelo governo brasileiro, com foco em integrar as regiões do país e impulsionar a economia.

Com uma extensão total de aproximadamente 4.400 quilômetros, a ferrovia estaria dividida em três grandes trechos no território brasileiro. O primeiro trecho conectaria o Porto do Açu à Ferrovia Norte-Sul, o segundo liga Campinorte o Porto Velho, às margens do Rio Madeira, e o terceiro se estende de Porto Velho até a fronteira com o Peru, em Cruzeiro do Sul.
Essa extensa rede ferroviária permitiria a integração de várias regiões do país e a conexão com importantes produtores e consumidores.
A parceria entre Brasil, Peru e China para a construção da Ferrovia Transoceânica ganhou um novo impulso em 2014, com a assinatura de um acordo que viabilizou estudos e projetos. Contudo, foi em 2022 que Brasil, Peru e China voltaram a se mobilizar para levar adiante o projeto da Ferrovia Transoceânica.
Em agosto de 2024, a China informou que investirá US$ 100 bilhões no projeto da Ferrovia, fortalecendo essa parceria e posicionando o projeto da ferrovia como estratégico para a iniciativa Cinturão e Rota, de acordo com informações da Câmara de Comércio de Desenvolvimento Internacional Brasil-China.
Desde 2021, o Brasil fez a primeira mudança significativa para implementar o modal ferroviário com a criação do Novo Marco Ferroviário Brasileiro, a partir de um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), protocolado em 2018.
Por meio dessa nova lei, além das concessões, que vigiram no Brasil nos últimos 100 anos, e mantiveram praticamente a mesma malha ferroviária de 30 mil quilômetros em todo esse tempo, sendo que menos de 15 mil estão ativas, empreendedores poderão propor projetos de estradas de ferro construídas, inteiramente, com recursos privados, mediante um contrato de autorização com o Governo Federal.
De mais de 100 pedidos de autorizações, cerca de 40 contratos foram assinados e poucos estão em andamento. Um dos cinco principais, e com maior trecho de todos, impacta diretamente a economia do Espírito Santo e se encaixa inteiramente na ideia do corredor ferroviário bioceânico.

“Nossa malha de 2.160 quilômetros vai sair do litoral do Espírito Santo, do futuro Terminal de Uso Privativo de São Mateus, cortará o Estado no sentido Leste-Oeste até Barra de São Francisco, de onde subirá para Teófilo Otoni, Grão Mogol, Montes Claros, Unaí e Santa Maria, em Brasilia. Outra ferrovia sairá de Unaí e irá até Mara Rosa, onde se integrará à Ferrovia Norte-Sul. Dali também se integrará à Ferrovia de Integração Centro-Oeste até os campos do Mato Grosso. A lei prevê o direito de passagem e, uma vez que se concretize o desejo de Brasil e China de que se chegue por ferrovia à costa do Pacífico, estaremos integrados a ela pelo Corredor Centro-Leste”, disse o presidente da Petrocity Ferrovias, José Roberto Barbosa da Silva.
Uma viagem de navio hoje entre o Sudeste do Brasil e a China, pelo Canal do Panamá, dura em média de 50 a 60 dias. Com a inauguração do porto no Peru, a China quer reduzir essa viagem para 27 dias, entre a costa do Pacífico sul-americana e o país asiático. Uma viagem de trem, em bitola larga, da costa do Atlântico à costa do Pacífico, nas condições ideais, poderia ser feita entre 4 e 7 dias.
De acordo com a Câmara Brasil-China, ao focar na América do Sul, a China visa não apenas consolidar parcerias comerciais, mas também investir em projetos de infraestrutura que prometem transformar a logística e a economia do continente.
A relação econômica entre a China e a América do Sul tem visto um crescimento substancial nos últimos anos, com o comércio bilateral ultrapassando a marca de US$ 490 bilhões. A Ferrovia Transoceânica oferecerá uma nova rota para o comércio que pode encurtar distâncias e reduzir significativamente os custos.
A nova ferrovia unirá Brasil e China, beneficiando as nações diretamente envolvidas, mas também tem o potencial de impactar positivamente toda a região da América do Sul, facilitando o acesso aos mercados asiáticos e vice-versa, registra o site da Câmara Brasil-China. (José Caldas da Costa, da Redação, com Valor Econômico e Câmara Brasil-China)
Imagem da capa: Câmara Brasil-China
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