
*José Caldas da Costa
As mulheres ainda estão muito longe de conquistar espaços iguais aos dos homens na política. Um exemplo disso é que, recentemente, a cantora Israele Cândido (PSD) assumiu um mandato de vereadora em Barra de São Francisco e é apenas a quarta mulher a ocupar uma vaga na Câmara de Vereadores em 80 anos de história do município – Graça Casatti, em 1997-2000 foi a primeira vereadora da cidade. Mas, antes mesmo que Barra de São Francisco pensasse em existir, as mulheres já brigavam pelo seu espaço.
Em 1929, duas mulheres separadas por cerca de 9 mil quilômetros, numa época de comunicações precárias, revolucionavam o mundo, cada uma em seu universo, a seu modo, ao mesmo tempo: na Inglaterra, Virginia Woolf acabara de fazer uma série de palestras em Cambridge defendendo o direito à mulher de “Um teto todo seu”, título do livro que lançou; na serra do Caparaó, na região Sul do Espírito Santo, Emiliana Viana Emery coroava seu espírito à frente de seu tempo conquistando e exercendo o direito ao voto, que até então, no Brasil, era somente conferido aos homens.
Quando li Virginia Woolf como parte de minhas atividades da disciplina Literatura Inglesa, do curso de Letras da Faculdade de Filosofia de Colatina (Fafic), saltou-me aos olhos a força dessa mulher numa sociedade dominada por homens, e sintetizei assim a sua obra para a professora Rita Polese: “Para Virginia Woolf, se Shakeaspeare tivesse tido uma irmã, que tivesse as mesmas condições que ele, seria tão brilhante quanto o famoso William”.
Mas falemos de Emiliana hoje, 24 de fevereiro, quando se comemora o Dia Nacional da Conquista do Voto Feminino, alcançado em 1932, portanto, há 91 anos. Ela foi a terceira mulher do Brasil a conquistar esse direito, por via judicial, mas foi a primeira a, efetivamente, exercê-lo ao participar de uma eleição extemporânea para prefeito de Guaçuí, antigo distrito de Veado, que havia acabado de se emancipar de Alegre em 1928, numa campanha de que Emiliana Emery participou ativamente. Portanto, o voto de Emiliana está fazendo 94 anos.

TETO POLÍTICO
O teto político, entretanto, ainda está muito pequeno para as mulheres. Depois de quase 100 anos da conquista do direito a voto, elas estão longe da equidade na vida política nacional. Elas são a maioria dos eleitores, mas “muito minoria” na representação política.
Nas eleições de 2022, dos 156.454.011 de indivíduos alistados a votar no pleito que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como Presidente da República, 82.373.164 eram do gênero feminino e 74.044.065 do masculino. O número de eleitoras representa 52,65% do eleitorado, enquanto o de homens equivale a 47,33%. Essa representação é equivalente em todos os Estados.

Apenas dois dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal são governados por mulheres a partir deste ano de 2023. Saíram vitoriosas das urnas a petista Fátima Bezerra, que venceu, no primeiro turno, com 58,3% dos votos no Rio Grande do Norte; e Raquel Lyra (PSDB), que superou, no segundo turno, Marília Arraes (Solidariedade), com 58,7% dos votos, em Pernambuco. As duas governadoras eleitas são do Nordeste.
Apesar da maioria dos eleitores, a atual bancada feminina na Câmara dos Deputados é composta por 91 mulheres. É uma bancada maior do que a eleita em 2018, de 77 mulheres. As mulheres representam 17,7% das cadeiras da Câmara dos Deputados, sendo que duas delas são trans, segundo informações da Agência Câmara de Notícias.
No Senado, que representa de forma igualitária os Estados brasileiros, a nova Legislatura, que começou em 2023, tem um número menor de mulheres nas cadeiras do Senado: 10. No início da Legislatura anterior, em 2019, eram 12. Apenas quatro senadoras foram eleitas nas eleições deste ano: Damares Alves (Republicanos-DF), Professora Dorinha (União-TO), Teresa Leitão (PT-PE) e Tereza Cristina (PP-MS).
A Agência Senado registra que, em 2018 — quando havia duas vagas em disputa para o Senado — foram eleitas sete senadoras, e uma suplente assumiu. Com isso, eram previstas 12 senadoras para iniciar as atividades em 2019.
Nas Assembleias Legislativas, as eleições de 2022 consagraram 190 mulheres eleitas, o que representa 18% entre as 1.059 vagas para deputados estaduais ou distritais disponíveis em todo o país — um crescimento em relação ao 15% de políticas ocupando vagas nas Assembleias anteriormente. Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, elas representam 13,3% das 30 vagas: quatro mulheres – Janete de Sá (PSB), Iriny Lopes (PT), Camila Valadão (PSOL) e Raquel Lessa (PP) – e 26 homens.
No pleito municipal realizado em 2020, as vereadoras eleitas (9 mil) representam 16% do total, frente a 84% de homens eleitos (47,3 mil) para as câmaras municipais. Os dados foram compilados pelo site Nexo.
De acordo com dados do TSE, nas eleições municipais de 2016, do universo de 57,8 mil vereadores eleitos no País, 7,8 mil eram mulheres – ou seja, 13,5% do total. Apesar do ligeiro aumento no número de vereadoras entre 2016 e 2020, a representatividade feminina nas câmaras de vereadores brasileiras segue bem abaixo da proporção de mulheres no eleitorado.
Dos 860 vereadores eleitos em 2020 no Espírito Santo, 91 são mulheres. O número, que equivale a 10,8% do total de novos legisladores municipais mostra que elas permanecem sendo minoria. Mesmo ainda sendo um número baixo, o saldo das eleições de 2020 quando se trata de representatividade feminina na política é positivo, tendo em vista que em 2016, foram eleitas 77 mulheres.
Nas prefeituras, desde 2020, as mulheres comandam 658 cidades brasileiras, o que representa 11,8% dos cargos em disputa nos 5.570 municípios do país. No Espírito Santo, apenas uma mulher se elegeu prefeita em 2020: Ana Malacarne (DEM), para governar São Domingos do Norte, município de 8 mil habitantes na região Noroeste. Ela já havia sido prefeita de 2005 a 2008.
CHICOTADAS
O advogado e doutor em ciências políticas Luiz Ferraz Moulin, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Guaçuí, sente orgulho de falar de dona Emiliana (1874-1957) e sabe de memória os principais fatos relacionados à história dessa pioneira e revolucionária, sob todos os aspectos.

Já quando era criança, a pequena Emiliana demonstrava seu caráter diferenciada quando se interpôs entre o capataz e uma das pessoas escravizadas que trabalhavam na fazenda de seu pai para impedir que ela fosse açoitada. Resultado: acabaram sobrando para Emiliana “algumas chicotadas”, como bem observa Moulin, mas a consequência foi que seu pai proibiu, a partir daquela data, que seus empregados fossem açoitados. (veja vídeo)https://www.youtube.com/watch?v=f0eLiEJj5Z4
Quando a ferrovia da Leopoldina chegou à cidade, Emiliana aproveitou a oportunidade para criar negócios: criou uma padaria, vendia leite e abriu um hotel. E nesse hotel ela recebeu os revolucionários comandados por Agildo Barata, em 1930, aderindo à revolução que levou Getúlio ao poder. Mas quando Getúlio impôs o Estado Novo em 1937, ela resistiu à imposição de colocar a foto do presidente em seu estabelecimento. “Em meu hotel não coloco foto de ditador”, teria dito Emiliana.
O direito a voto foi conquistado por Emiliana Emery Viana através de uma sentença do juiz da Comarca de Alegre, Aloysio Aderito de Menezes, no dia 15 de julho de 1929. A primeira mulher do Brasil a conquistar esse direito foi Celina Guimarães Viana, de Mossoró, em 1927, seguida da mineira Mietta Santiago.
HISTÓRIA
O voto feminino no Brasil foi reconhecido em 1932 e incorporado à Constituição de 1934, mas era facultativo. Em 1965, tornou-se obrigatório, sendo equiparado ao dos homens, conforme registrado nos anais da Câmara dos Deputados, em Brasília.
As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar em 24 de fevereiro de 1932, por meio do Decreto 21.076, do então presidente Getúlio Vargas, que instituiu o Código Eleitoral. Vargas chefiava o governo provisório desde o final de 1930, quando havia liderado um movimento civil-militar que depôs o presidente Washington Luís. Uma das bandeiras desse movimento (Revolução de 30) era a reforma eleitoral. O decreto também criou a Justiça Eleitoral e instituiu o voto secreto.
Em 1933, houve eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, e as mulheres puderam votar e ser votadas pela primeira vez. A Constituinte elaborou uma nova Constituição, que entrou em vigor em 1934, consolidando o voto feminino – uma conquista do movimento feminista da época.
EMANCIPAÇÃO FEMININA
A década de 1920 assistiu a diversos movimentos de contestação à ordem vigente. Em 1922, por exemplo, houve importantes acontecimentos que colocavam em xeque a República Velha, entre eles a Semana de Arte Moderna, o Movimento Tenentista e a fundação do Partido Comunista do Brasil. Nesse contexto, ganhou força o movimento feminista, tendo à frente a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher – um grupo de estudos cuja finalidade era a luta pela igualdade política das mulheres.
Posteriormente, Bertha Lutz criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, considerada a primeira sociedade feminista brasileira. Essa organização tinha como objetivos básicos: “promover a educação da mulher e elevar o nível de instrução feminina; proteger as mães e a infância; obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino; auxiliar as boas iniciativas da mulher e orientá-la na escolha de uma profissão; estimular o espírito de sociabilidade e cooperação entre as mulheres e interessá-las pelas questões sociais e de alcance público; assegurar à mulher direitos políticos e preparação para o exercício inteligente desses direitos; e estreitar os laços de amizade com os demais países americanos.
PRIMEIRA PREFEITA
Já a primeira prefeita do país foi Alzira Soriano, eleita para comandar a cidade de Lajes (RN), com 60% dos votos. Tomou posse no cargo em 1º de janeiro de 1929. Em sua administração, promoveu a construção de estradas, mercados públicos municipais e a melhoria da iluminação pública. Com a Revolução de 1930, perdeu o mandato por não concordar com o governo de Getúlio Vargas.
A responsável pela indicação de Alzira como candidata à Prefeitura de Lajes foi a advogada feminista Bertha Lutz, que representou o movimento feminista na Comissão Elaboradora do Anteprojeto da Constituição de 1934. Candidata, em 1933, a uma vaga na Assembleia Nacional Constituinte de 1934, obteve a primeira suplência no pleito seguinte e assumiu o mandato de deputada na Câmara Federal em julho de 1936, em decorrência da morte do titular.
Bertha Lutz teve sua atuação como parlamentar marcada pela proposta de mudança na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor.(Com informações da Câmara dos Deputados e do Tribunal Superior Eleitoral e fotos de álbuns de família e de arquivos)
Foto da capa: Momento histórico da conquista do voto feminino na Constituição de 1932
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