Por João Gualberto*
A coalisão que proporcionou a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018 sempre teve fortes contradições internas. Seus pilares de sustentação tem sido uma conjugação de evangélicos, ou melhor, cristãos conservadores. Afinal, existem muitos segmentos católicos, de pensamento muito parecido em termos de comportamento moral, liberais ligados ao mercado comandados por Paulo Guedes, empresários rurais ligados ao agronegócio, antipetistas organizados pelas ações da operação lava-jato, entre outros.
As contradições internas estão em vários lugares dessa coalisão, como por exemplo entre as mulheres evangélicas pobres, sobretudo as neopentecostais, que são moradoras da periferia, pobres e pretas, e os que divulgam o uso ostensivo de armas. Essa contradição existe até porque elas são as maiores vítimas das violências que as armas possibilitam. Aliás, de uma forma geral o universo feminino mais pobre sabe que mulher armada só na classe média alta. Clube de tiro é, via de regra, lazer de rico. Tiro para pobre é confusão.
A forte liderança que o ex-presidente exercia na coalisão toda a mantinha coesa e unida, foi assim nos quatro anos de seu governo. Provavelmente a coalisão permaneceria, caso Bolsonaro tivesse sido reeleito. A vitória de Lula, entretanto, mudou essa situação. As várias vertentes internas sentiram de forma diferente o gosto amargo da derrota. Os mais democráticos entenderam que não havia mais muito a fazer, a não ser se organizar para fazer forte oposição ao novo governo e construir politicamente as próximas eleições para voltar ao poder.
O mesmo não se deu a porção mais radical, aquela que se aproxima da extrema direita, que resolveu se organizar para viabilizar um golpe que traria de volta o ex-presidente. Esse sentimento de revanche deu ensejo a inúmeros acampamentos diante dos quartéis, dentre outras manifestações como a fechamento de estradas e ameaças de greve. Tudo isso acabou gerando os graves acontecimentos do dia 8 de janeiro em Brasília.
Trabalho com a hipótese de que 8 de janeiro foi um ponto de inflexão na coalisão Bolsonarista, com uma forte tendência a redução da importância da liderança de Bolsonaro, e ao surgimento de pelos menos três movimentos políticos e partidários na direita brasileira. Os mais liberais em termos do mercado, privatistas, mas também conservador nos costumes. Esses têm como lideranças naturais políticos como os governadores Tarcísio Freitas, Ratinho Junior ou o Zema. Já são visíveis os movimentos de Zema para ocupar espaços vazios.
O segundo movimento, mais próximo aos militares e um pouco menos liberal na economia e mais conservador nos costumes, teria como liderança provável o agora senador Mourão, homem duro, mas que sabe jogar na política, é senador eleito pelo Rio Grande do Sul e tem capacidade de liderar.
Um terceiro bloco seria o dos radicais bolsonaristas que podem ou não contar com a liderança do Jair Bolsonaro, dependendo do seu desejo de voltar ao jogo político de fato e também às condições jurídicas desse retorno. Eles tendem a jogar de forma clara para inviabilizar o atual governo, enquanto os demais segmentos da direita podem se organizar para fazer oposição às esquerdas, mas participando de fóruns de debates e alianças ocasionais. Ou seja, sendo parte integrante do jogo político. Vamos acompanhar os fatos, para sabermos os movimentos reais.
*Artigo publicado originalmente no blog A vírgula, no dia 20 de janeiro de 2023. João Gualberto Vasconcellos é mestre e professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Doutor em Ciências Políticas pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França.
João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”, principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.
Comente este post